segunda-feira, 11 de abril de 2011

Hong Kong 2010 - 4

Domingo, 26 Dezembro 2010

1- Dragon's Back hiking trail



Domingo é o dia que eu menos gosto, quer na pacatez da minha aldeia, quer em viagem.
No que concerne ao tópico, não gosto dos Domingos quando em viagem por cidades,
porque apresentam uma realidade distorcida do ambiente urbano/social.
Comércio e serviços a meio gás, muita gente a passear e a entulhar os locais turísticos, menos trânsito, ninguém pode dizer que sente o normal pulsar de uma cidade aos Domingos.
Em maior ou menor escala, o ritmo citadino altera-se.
Sendo assim, reservo sempre este dia para escapadelas, longe das multidões, das filas intermináveis...


06:30am, acordo ao som reconfortante do meu fidelíssimo Calm.
Prossigo para as cortinas, com muito baixas expectativas depois do cinza-show do dia anterior.
Para minha surpresa, o dia promete!
Caso contrário seria mais um revês na viagem, pois o meu itinerário para este dia exigia sol e céu limpo.
Limpo... HK style, claro.
Porque céus azuis em HK são cada vez mais uma raridade,
com a poluição que os suínos da emergente China continental deixam escapar para o território,
agravando uma situação já de si caótica numa das zonas mais densamente povoadas do planeta.


Pequeno almoço tomado, hoje tinha mais alguém na sala de refeições.
Um casal de Italianos ( sempre os Italianos......... ) a destoar do ambiente oriental. 

O plano para o dia:
Percorrer os 4,5km do trilho "Dragon's Back",
assim chamado porque o trajecto ondulante nas colinas faz lembrar as costas de um dragão.

É um dos mais famosos trilhos da zona, em 2004 foi votado pela Time como o melhor trilho da Ásia.
Tudo muito bonito, mas o problema é que não sabia bem onde começava o raio do hiking trail...
Informações contraditórias e escassas obrigaram-me a recorrer ao nosso grande amigo Google Street View.
Para além de saber que tinha de pedir ao motorista do autocarro para me deixar sair em Cape Collinson Rd., agarrei-me a esta imagem:

http://maps.google.com/maps?f=d&source=s_d&saddr=Estrada+desconhecida&daddr=Estrada+desconhecida&geocode=FRQuVAEdpRPOBg%3BFeZQVAEdaPDNBg&hl=pt-PT&mra=mr&dirflg=w&vps=9&sll=22.300731,114.17181&sspn=0.014671,0.027874&ie=UTF8

MTR Central Line no sentido Leste em direcção a Shau Kei Wan, local onde segundo a info que recolhi na net, teria que mudar para o autocarro 9 em direcção a Shek-O.

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Saio na direcção da central de autocarros, que supostamente se encontrava em frente à estação.
Mas nada......... 
Dou a volta ao quarteirão... e também nada!
"Seus filhos da p*ta" praguejei logo, pois o meu plano pessoal era ter prosseguido até MTR Chai Wan ( fim de linha ) e daí caminhar até ao ponto inicial.
Fiquei ali cerca de 10 minutos a estudar as rotas das paragens de autocarro, a ver se alguma me serviria... Mas nada feito.

Decidido a enveredar pelo plano B ( o MEU plano  ), voltei a entrar na estação MTR...... MTR Sai Wan Ho........ 
Pá, estes nomes Chineses pareciam-me todos iguais e eu saí disparado na estação errada! 
Ri-me do meu ridículo e lá voltei ao metro, e desta vez saí na estação correcta! 

Como "combinado", a central de bus lá estava em frente à saída A3, juntamente com o bus 9 paradinho à minha espera.
Octopus Card a funcar, o gajo arrancou e eu fui logo ter com ele, pedindo para sair na tal "Cape Collinson Rd."
"I'd like to get off at Cape Collinson Rd, please."
Mas o gajo respondeu qualquer coisa, num Inglês/Chinês que eu percebi nada, à excepção de "Shek-O"... 

O que mais fazer?
Sentei-me e permaneci atento à paisagem no lado esquerdo.
Ruas acima e abaixo, por zonas que não lembra ao menino jesus, até que a bendita da imagem do Street View se materializa à frente dos meus olhinhos!!!!

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Toquei a campaínha e o motorista parou.
Olhou pelo retrovisor com a expressão "Tens a certeza que queres sair aqui?!?"
Ele e um casal de idosos, também eles a questionar a minha decisão.... 
"Olha-me estes... Então não é suposto ser aqui o início do famoso trilho?"

Meio segundo para decidir, saí porta fora.
O motorista e os simpáticos velhinhos ainda ficaram a olhar, à espera da minha reacção, se voltava ou não para a segurança do autocarro.....


Ri-me, acenei com o braço - estilo "está tudo bem, sigam!" - e subi a escadaria para o Shek-O Country Park.
Não existia ali uma referência sequer ao Dragon's Back. Não entendo.

Assim que subi os degraus, cruzo-me com um Inglês que vem a descer a encosta, equipado para o jogging matinal.
Aproveitei o cumprimento mútuo e perguntei-lhe se era ali que começava o ( raio do ) trilho.
"Yes, it's right up there!" respondeu, apontando para uns 100 metros acima onde se distinguia à distância um entroncamento e alguma sinalização.

E era verdade.
Finalmente, uma placa com informação.
Algo que devia estar - não ali no meio da floresta - mas sim logo no início da escadaria!
Fiquei admirado com esta incompetência, algo que destoava em absoluto da habitual excelência da informação pública em Hong Kong.


Um excelente mapa do trilho:

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O primeiro km e meio é feito sob a protecção da floresta sub-tropical envolvente.
O trilho serpenteava pelas encostas, numa inclinação quase horizontal, navegação fácil para todas as idades e formas físicas.
Aparentemente, não chovia há ( relativamente ) muito tempo, pois os cursos de água estavam completamente secos e até o verde esbatido da vegetação mostrava algumas saudades de uma boa chuva tropical.
O caminho estava em excelentes condições, limpo e muito bem sinalizado.
Não se vê ponta de lixo, impecável o civismo destes Chineses de Hong Kong, nada a ver com os parentes do continente.

É um passeio sossegado a estas horas da manhã, interrompido ocasionalmente por um ou outro corredor solitário.

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A vegetação alta em redor do trilho, vai progressivamente deixando vislumbrar a beleza da paisagem:


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A minha fobia por cobras manteve-me atento - em alerta máximo - durante todo o percurso.
Tentei pesquisar acerca da fauna em Hong Kong, mas não vi nada que me alertasse para quaisquer perigos, para além de tubarões nas praias.
Ainda bem. 

A primeira parte do Dragon's Back - um idílico passeio através da floresta, com os passarinhos a cantar e o vento a uivar - acaba por dar lugar ao tipo de terreno acidentado que lhe dá o nome tão característico.
Eventualmente, surge uma bifurcação na floresta.
Para a esquerda sobe o Dragon's Back, em frente imagino que o caminho nos devolva á estrada mais abaixo.


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Esquerda! 



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Ahhh, seus malandros... 
Aqui sim, as coisas começam a aquecer!
À medida que subimos, o vento forte e gelado mostra-se um obstáculo.
Como vim avisado ( amiga internet ) , não dispensei o casaco e um cachecol.
Confesso que mesmo assim, a ventania era bastante incómoda e ansiava sempre voltar à protecção dos arbustos.

A primeira subida a sério é abrupta ( e à bruta! ), mas acaba por dar lugar à ondulação que caracteriza o trilho.
Menos violenta, mas ainda com algumas surpresas capazes de fazer perder o fôlego aos menos preparados.





Ao fim de muitas subidas e descidas, atingi finalmente o topo do Shek-O Peak, o ponto mais alto do trilho com os seus quase 300 metros de altura.
Ali, desprotegido de qualquer vegetação, o vento não permitiu que desfrutasse da paisagem tanto quanto me apetecia.
Apetecia-me sentar naquele banquinho tão jeitoso e ficar ali uma meia-hora a admirar o cenário, a praia de Shek-O bem lá em baixo, o Mar do Sul da China até perder de vista... 


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( no canto superior esquerdo, uma figura teima em aparecer! Mesmo estando a 12km em linha recta!!!
Ainda bem que em Honk Kong há leis )

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É o nosso amigo, o International Commerce Centre, mais os seus 480m a ímpor a sua presença entre alguns dos picos...


A partir daqui comecei a ver muita gente que vinha em direcção contrária.
Perguntei-me quem teria ficado beneficiado com o trajecto mais fácil...... 
( psssttttt: no fim do percurso, achei que fiquei a ganhar  )

Neste dia tive o primeiro vislumbre de uma realidade que desconhecia, que vim a comprovar nos dias seguintes:
- O prazer que os habitantes de Hong Kong têm em praticar desporto ao ar livre.
- O cuidado, limpeza, manutenção com que gerem os seus muitos hiking trails
- A energia (!) que alguns demonstram, fazendo em corrida o que eu fazia quase de rasto!! 


Bem, estava na minha hora de descer, o que era uma benção.
Lentamente os arbustos recomeçaram a proteger-me da ventania insuportável.







Inicialmente, o plano era seguir até Shek-O Beach.
Mas comecei a ter outras ideias......

Não que a praia de Shek-O fosse um local desprezível, a julgar pelas vistas do Dragon's Back:


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Apenas constatei que um dos meus objectivos mais duvidosos - poder dar uns mergulhos no Mar da China - não se ia concretizar.
O clima estava relativamente frio e seco, e na praia quase não se viam banhistas....
Além disso, era Domingo e comecei a pensar em hordas de turistas e locais, desejosos de aproveitar o dia de sol radiante, depois do cinzentismo doentio da véspera........


Seja como for, ainda me esperava a longa descida até à estrada, local onde teria que tomar a derradeira decisão... 
A maldição dos viajantes com dinheiro e tempo contados, ter que escolher entre o bom e o muito bom e o melhor ainda, sem muitas vezes saber sequer se a decisão é a mais acertada... 
É um jogo.


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O porto de Tai Tam em frente ao maior reservatório de água de Hong Kong, o Tai Tam Tuk.


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Eu adoro florestas de bambu, será o meu lado Panda?



E lá cheguei à estrada, após 4,5km de boa caminhada nas costas do grande dragão.
Pouco ou nenhum trânsito, uma dezena de caminhantes a preparar a subida, outros aparentemente indecisos como eu...

Pensei e repensei o meu próximo passo... Shek-O Beach ou regressar à cidade para almoçar e partir em novo destino?
Estava ali entretido quando subitamente me dei conta de uma pequena aldeia piscatória ( meia dúzia de casas ) umas boas centenas de metros abaixo.


Comecei, como quem até nem quer, a descer lentamente a encosta.......
"Salvo" pela repentina chegada do autocarro para a cidade!
"Pronto, alguém tomou a decisão por mim, obrigado ò destino, amigo!"

E regressei assim a MTR Shau Kei Wan, onde prossegui até casa ( North Point ).
Subi ao quarto para um duche e mudança de roupa, desci à rua em busca de um local para enganar a fome.
Virei à direita.
Após vários restaurantes Chineses para Chineses - que não possuem qualquer indicação ou ementas em Inglês, estão-se marimbando para turistas, e estão sempre cheios de clientes!  - demorei menos de 100 metros a encontrar o mais cosmopolita "You Me You Me" 
Um estabelecimento que nunca encontrei fechado ( não recordo se era 24/7 ) e onde se come relativamente bem, barato e rápido.
Tem um serviço rápido, um espaço amplo, meia dúzia de lcds, mesas e bancos em compartimentos independentes, parece ser um dos pontos de encontro da malta lá da zona!
Assim que me sento, servem o tradicional chá.

A ementa é extensa, mas como é habitual não percebo metade dos ingredientes...
Achei piada aos filetes de garoupa.
Garoupa?! Venha!

Pedi uma cerveja, uma Carlsberg ( que até nem gosto muito... ).
Trouxeram-me uma garrafa de meio litro, não tinham mais pequena... Influências Britânicas? 


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( ia julgar que tinha mais fotos do restaurante e da comida, mas é muito difícil navegar entre o imenso material que trouxe de Hong Kong e chego a pontos de já nem saber o que tenho, onde tenho, se tenho...... )


Além disso, pedi:
- Os filetes de garoupa, que traziam batata frita e alguns legumes
- uma "travessinha" de arroz
- uma salada

Logo que avistei a travessa dos filetes, percebi... Grande asneira!
Só aquilo dava para duas pessoas, na boa!
Quatro deliciosos, brancos como a neve, filetes de garoupa!
E "meia tonelada" de batatas fritas a acompanhar. E cenoura a acompanhar. E já agora umas torradinhas que nem sei quem as pediu (?!?)

...e depois veio o arroz, outra vez dose para duas pessoas.




Alguns minutos mais tarde, completamente empanturrado, a travessa do arroz ainda meia e muita batata por comer, comida na mesa que dava para alimentar mais uma pessoa, vejo o empregado de mesa na minha direcção com a salada...
"Mas estes gajos querem-me matar, não?" 
"Amigo", nem pense, acenei e disse que não podia mais e não queria!
"Eu pago tudo, mas por favor, mais não!" 

Total da conta: 8€




Sim, alguns infelizes andam por essa net fora a comparar o custo de vida em Hong Kong com o das grandes metrópoles Japonesas.
Como comparação, uma refeição semelhante a esta em Kyoto, Osaka ou Tokyo não ficaria JAMAIS por menos de 25€, e isso já com sorte e num local escondido.
No Japão, o turista low-budget come variedades de ramen e misu, entulho do MacDonalds, pastas Italianas e bolycaos do supermercado.


E com o estômago artilhado, lá me enfiei no MTR rumo ao próximo destino.